sábado, 11 de outubro de 2008

O primeiro sentido...

Dia 11.10.2008. O primeiro sentido não está listado nos demais que todos nós, no ponto de vista biológico, científico e cognitivo, estamos cansados de saber. Não se trata de uma hierarquia de percepções, muito menos de testes e comprovações que sempre buscamos em nossa vida. O primeiro sentido não esta visível aos olhos dos seres humanos. Somos limitados, aliás, limitadíssimos em queremos apalpar o intocável em sermos muito ambiciosos ao ponto de termos aquilo que realmente não precisamos. Aliás, acho que o primeiro sentido é justamente a justificativa dos demais. É o contraste. É o cerne, a raiz, a sistematização de tudo... foi o primeiro sentido que me fez caminhar pelas ruas do bairro onde moro. Foi o primeiro sentido que, todo descabelado, sem camiseta, calçando apenas um chinelo preto, simples, me fez olhar para fora do portão. Foi este sentido que sem ao menos tomar um café, um copo de água me motivou para rever meu passado, a respirar o ar das plantas colhidas e ver o reflexo do antigo no meu mundo atual.

Agora imagem você a cena: um homem, abarrotado de colares no pescoço, com uma câmera fotográfica pendurada, com aquele cabelo grande, alto e desarrumado, sem camiseta e vestindo tão somente um chinelo preto e uma bermuda. O sol resolveu aparecer. Calor. 12:56 da manhã. Sem vento algum! E este homem descendo uma rua, um pouco íngreme, guiado somente por seu instinto e nada mais. Imagine este homem sem propósito algum, sem idéia alguma, sem comunicação alguma. Imagine ele, seco, desnutrido de idéias vagando naquela rua sob aquele calor imenso. Imagine... e pergunte: porque?

Foi quando me deparei que estava perto de uma esquina do Bairro Parque Colinas da Mantiqueira, aqui mesmo em São João da Boa Vista. Uma rua que interligava justamente o meu passado ao presente. Não havia asfalto naquela época, não existia este aglomerado de casas. Somente 3 ou 4, no máximo! Tinha poucos amigos, mas poucos que perpetuam até hoje. Tínhamos a natureza! Tínhamos estrada de terra, barro, plantações, mato, e o nosso querido Rio Jaguari. A CIPREJIM, uma instituição na qual preserva e mantém a natureza com seu viveiro de árvores da Bacia do Rio Jaguari Mirim, também estava lá. Sentei naquela esquina... olhei para cima e vi casas, prédios, ruas, carros, avenida... Em contra-partida olhei para baixo: escutei um barulho de água, um beco, uma porteira. A civilização ou uma visita ao passado? Pensei... Sentado na beira da calçada, vi flores, vi uma abelha, vi meu primeiro sentido, me guiando, me cutucando... Rosa, amarelo, verde, roxo, vermelho. Tudo me chamava! Tudo estava ali! Bastava pouco para o muito. Bastava um caminhar.. e aconteceu. De repente uma força, um puxão, e a conseqüência: desci para o encontro do acaso.

Meu primeiro sentido me disse que desde ocomeço deminha vida esta região sempre foi única. Me falou através da mente e do coração que o mínimo poderia ser sim tocável! Ainda me lembro bem desta rua como se fosse e de fato foi, uma das melhores épocas de minha vida! Quando somos crianças guardamos na memória o que não nos afetava, o que não nos atingia no âmago e sempre tínhamos uma energia para fazer tudo e em um pouco espaço de tempo que realmente não sei como descrever. Vi aquela rua perto do Rio Jaguari Mirim como uma memória boa: bicicletas, pique – esconde, corridas... Nestes mesmos bancos que hoje estão cercados de árvores costumávamos criar uma casa de bambu, no meio da mata que servia de ponto de encontro dos amigos. Costumávamos sempre fazer isso: trabalhar com o que a natureza nos deu e que não tínhamos consciência do que isso significaria para nós naquele tempo! Somente me dei conta do que esta fase significou para mim hoje, quando sentei neste banco e fiquei olhando o pouco que restou daquela linda natureza... Um aperto. Um nó imenso, inigualável se instalou em meu coração. Vi barragens, vi cercas, vi destruição. Onde estava aquele coqueiro, a árvore que marcava a entrada da trilha? Onde?

Fui atrevido sim na situação que estava, mas não me restou outra opção. Praticamente descalço entrei na pequena trilha onde passa praticamente um carro hoje. Vi uma única árvore com uma bela sombra. Esbanjando beleza registrei-a e senti quando passei ao seu lado um certo alívio que me impulsionou a ir mais adiante, mais para dentro daquilo tudo... Já eram quase duas horas da tarde. Nem mesmo café tinha tomado! Sem deixar notícia para ninguém, celular em casa, bilhete em branco, nenhuma mísera mensagem, segui andando no meio da mata. Vi uma trilha para esquerda ao lado da cerca da CIPREJIM. Virei e parei bem rente ao muro. O calor que antes estava me atingido foi acalmado pela sombra da pequena floresta e pela música que saía lá de baixo, em um pequeno vale na qual passa o Rio Jaguari Mirim. Ele me chamava... ele estava falando comigo... e fui atendê-lo.

Pouco mais de 7 minutos descendo a mata avisei as águas. Sentei no barranco. Pensei, respirei e abri os olhos novamente e o que vira foi uma imagem triste e inigualável. Já do outro lado avistei uma bomba de água, sugando as entranhas do rio para alimentar uma pequena plantação de sustento próprio. As pedras que antigamente usávamos para fazer nosso piquenique aos sábados quando subíamos o rio desde o começo não existiam mais. A barragem natural do rio era estampada apenas por um calhamaço de bambus que faziam uma sombra... algumas árvores, algumas vegetações... tudo muito sem sal, tudo muito triste, escuro e vazio. A foto, um pouco embaçada que consegui tirar de uma das veias do coração do Rio ainda demonstra sua claridade, sua calmaria e suas origens. Ainda demonstra o que restou da conseqüência humana. Mas também percebi que não era somente águas que desciam para o centro da cidade... eram lágrimas do primeiro sentido que desviavam seu curso natural para um apelo, para uma súplica e para um apelo final: preservação, retribuição, concientização. Um pouco mais de zoom na água... um pouco mais... e restou somente um preto, um manchado azulado e uma tonalidade que era justamente isso: o reflexo das águas, a penúria da floresta triste e o contraste das pequenas árvores da região que me olhavam, me tocavam e disseram para mim: "- Fique, mas fique para sempre!"

Vou sempre sentir saudade daqueles velhos tempos. Sempre! Não existe uma razão para arrancar isso de mim. Aliás, o primeiro sentido abriu meus olhos justamente para isso para o valor do antes e o reflexo no agora, no que devo fazer ou não de minha vida ao ponto de querer o inigualável e esperar o casual. Caminhando na Rua Romeu Nhola onde antigamente andava com o meu pequeno patinete motorizado, vi a ferrugem de meu passado indo embora com o tempo, como a natureza no decurso natural da velhice já cravada em meu coração. Vi subindo um pequeno sorveteiro caminhando, apertando a sua buzina, descendo a ladeira enquanto aquele rio que sempre me marcou estava em minhas costas. No meio da rua parei. Avistei o sorveteiro. Vi a floresta no fundo ao seu encontro. Fechei meus olhos. Apertei o botão de minha máquina e disse para meu primeiro sentido: “- Acalme-se! Você não está sozinho. Nunca esteve, pois ainda existem seres bons aqui na terra. Ainda existem pessoas que se importam e vão ao seu encontro. Ainda existe a sensibilidade do saber e a vontade de mudar. A solidão abre outras portas. Abre os olhos do sentido e faz perceber justamente isso: que o seu coração é a sua percepção principal. Que tu és o que tem que ser naquele exato momento para um único fim. Que o objetivo principal é a percepção, ao tempo de cada um, de que podemos sim ver o invisível, sentir o intocável, amar o mínimo, contentar com pouco e encontrar o seu sentido através da sua própria intuição, bússola própria dos seres humanos que caminham para a evolução. Você não está só... você nunca esteve só... nunca...”

Dica: veja a galeria de imagens, no topo da página do lado direito, título "Flickr - Minha galeria de fotos", clicando nos respectivos links de seu gosto.

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